terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Os cinco sentidos da fé

Os cinco sentidos da Fé

“Se amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós, e o seu amor está aperfeiçoado em nós”. (1 João 4, 12)

Os nossos SENTIDOS são o que nos põe em contacto com o mundo e com os outros. Somos talhados para o diálogo, para o encontro, a relação, porque só em contexto de encontro interpessoal nos construímos “por dentro”, lá onde o Homem se torna Humano.  Mas, como tudo, à luz da Fé os Sentidos podem falar-nos de um “algo mais” que eles sozinhos não revelam…
Acompanhe-me…

VISÃO
Deus disse ao profeta Samuel: “Enche um chifre com óleo, e vai a Jessé, um ancião de Belém, porque EU escolhi um rei para o meu povo entre os seus filhos. Tu darás por mim a unção àquele que EU te indicar.” Samuel fez como Deus lhe disse.
 Ao chegar à casa de Jessé, Samuel viu Eliab e pensou de si para consigo: “Certamente é este o ungido do Senhor:” Mas Deus disse a Samuel: “Não te deixes impressionar pelo seu belo aspecto, nem pela sua alta estatura, pois EU não o escolhi! O que tu vês não importa; o homem vê as aparências, mas EU vejo o coração…” (1 Sam 16, 1-13)
Ver com o coração é ultrapassar a casca das aparências. É ver como Deus vê! Isto só é possível a partir da intimidade com Deus, pelo conhecimento interior da Sua Palavra. Só assim vão desabrochando em nós os Seus critérios. Os critérios da Palavra em nós são como que “óculos” novos a partir dos quais podemos começar a ver a realidade, a que nos rodeia e a que construímos. De fato, as coisas nunca são apenas o que são… é também o modo como as vemos! 
E é o modo como as vemos, os “óculos” com que as olhamos e a “luz” com que as iluminamos que nos fazem agir ou reagir de uma determinada maneira e não de outra. Se aprendermos todos os dias a iluminar a realidade com a “luz” da Palavra de Deus e a olhá-la com os “óculos” do Espírito Santo, acontecerá em nós, quotidianamente, o milagre da transformação…

AUDIÇÃO
Eis o que diz o Senhor: Atenção! Todos vós que tendes sede, vinde beber desta água! Mesmo os que não tendes dinheiro, vinde, comprai trigo para comer sem pagar nada. Levai vinho e leite, que é tudo de Graça! Porque gastais o vosso dinheiro naquilo que não vos alimenta? Porque gastais o vosso salário naquilo que não pode saciar-vos?! Se me escutardes, haveis de comer do melhor e saborear pratos deliciosos. Prestai-me atenção e vinde a mim. Escutai-me e vivereis!
Assim como a chuva e a neve descem do céu e não voltam mais para lá senão depois de terem empapado a terra, de a terem fecundado e feito germinar para que dê semente ao semeador e pão para comer, assim acontece com a Palavra que sai da minha boca: ela não volta para mim vazia, sem ter realizado a minha vontade e sem ter cumprido a sua missão! (Is 55, 1-3. 10-11)
Escutar a Palavra de Deus não é uma tarefa dos ouvidos, mas sim do coração. Os ouvidos podem, muitas vezes, ouvir algumas mediações da Palavra, mas essa, só o coração a pode escutar, compreender e fazer germinar em frutos de Vida Nova.
A Palavra de Deus é Deus-Palavra, Deus a dizer-Se, a comunicar-Se, a fazer-Se encontro conosco e em nós. Deus não tem palavras para dizer, Deus não diz coisas, blá-blá-blá… Deus é Palavra, Deus diz-se! E o jeito de Deus Se dizer não é um som, uma voz, uma escrita, uma codificação lingüística, mas sim uma Relação. Só nos dizemos verdadeiramente a alguém, só nos comunicamos realmente a alguém através de relações, não através de palavras. Somos o que Somos não o que dizemos! A Palavra de Deus é isto mesmo. Deus a encontrar-Se conosco numa discreta, profunda e transformante relação de Amor. Escutar a Palavra de Deus não é ouvir as coisas que Deus diz, mas “dar espaço” interior à Sua ação para que Ele Se diga a nos, em nós. E é esta atitude de disponibilidade que, como em lume brando, nos vai apurando a vida e transformando o coração para sermos cada vez mais ao Seu jeito…

PALADAR
Enquanto comiam, Jesus e os seus discípulos, Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, partiu-o e deu-o aos discípulos dizendo: “Tomai, comei! Isto é o meu corpo…” Depois, tomou um cálice, deu graças e entregou-lho, dizendo: “Bebei dele todos!” (Mt 26, 26-29)
Comer e beber são muito mais que encher a barriga. Os animais comem comida, mas nós comemos refeições. Porque os humanos tornaram a hora da  comida em  refeição, um encontro entre pessoas. À mesa, estamos todos,  face- a -face. É um lugar privilegiado de encontro e comunhão, partilha de intimidades e narração de histórias. Por isso comemos à mesa, e não numa manjedoura! Para nos encontrarmos, cara a cara uns com os outros, e não cara a cara com a comida como acontece nas manjedouras!
Comer é um símbolo bíblico muito importante para falar de encontro, comunhão, convívialidade, acolhimento e intimidade. Sentar alguém à nossa mesa é abrir-lhe as portas da nossa intimidade, dar-lhe lugar na nossa vida. Além disso, comer é mais que engolir. Implica tomar o gosto às coisas, sentir-lhes o paladar. Por isso é necessário “comer e beber Corpo e Sangue de Cristo”. “Corpo e Sangue” é linguagem bíblica para dizer “Vida”! É necessário comer e beber a Vida de Cristo, alimentar-se da sua Vida Ressuscitada e fonte de Ressurreição para todos. Isto não acontece ao nível da boca nem do estômago…
Comer e Beber a Vida de Cristo Ressuscitado é comungar com Ele pela escuta da sua Palavra e pelo acolhimento do seu Espírito, interpelante através de tantas mediações. Além disso, é tomar-lhe o gosto…
Alimentar-se da Vida de Cristo é “tomar-lhe o gosto” e ficar “com o gosto de Cristo na vida” para que o dia a dia possa ser Saboreado com este paladar. Sim! Saborear a realidade com o paladar de Jesus Cristo, este é o segredo da verdadeira Sabedoria! Aquela Sabedoria dos Felizes, dos Fiéis, dos Profetas que deixam em brasa o chão por onde passam…

OLFATO     
Quando Deus fez a Terra e o Céu, ainda não havia na terra nenhuma planta do campo, pois no campo ainda não havia brotado nenhuma erva: Deus não tinha feito chover sobre a terra e não havia homem que cultivasse o solo e fizesse subir da terra a água para regar a superfície do solo. Então Deus modelou o homem com a argila do solo, soprou-lhe nas narinas um sopro de vida, e o homem tornou-se um ser vivente. (Gen 2, 4-7)
O olfato é um dos Sentidos mais extraordinários, porque é através dele que estamos permanentemente a interagir de maneira única com o ambiente que nos rodeia. Estamos permanentemente a inspirar e expirar, isto é, a introduzir em nós o ambiente que nos rodeia, e a expirá-lo, ou seja, a marcarmos o ambiente com o que brota de dentro de nós. Por causa de estarmos sempre a inspirar e expirar nesta interação permanente com o ambiente em que vivemos, os nossos antepassados na Fé perceberam o ar como símbolo do Espírito Santo, e a inspiração-expiração como símbolo da nossa relação com Deus. Por isso falamos em “inspiração divina”, ou “estar inspirado”…
A inspiração é uma linguagem de acolhimento, encontro interior, assimilação do outro em nós para nos modelarmos intimamente ao seu jeito. Por isso o “sopro primordial de Deus”, que no original em hebraico também significa “Beijo”, na simbologia bíblica é a primeira “expiração” de Deus para nós, e a nossa primeira “inspiração”, como bebês acabados de nascer e chamados á Vida! Não à existência somente, mas à Vida, aquela que não acontece, mas a que se constroem, com opções, atitudes e recomeço no Sentido do Amor. Deus é permanente “expiração” para nos pelo Espírito Santo, que é apenas outra maneira bíblica de dizer que Deus é Graça, Dom, para nós… Na “plenitude da história” Deus beijou-nos com o beijo definitivo em Jesus Cristo. Nele, Deus beija a Humanidade com lábios e definitivo, e neste beijo apaixonado transmite-lhe de maneira nova o Seu “Hálito de Vida”, o Espírito Santo. Um beijo divino que nos diviniza, na medida em que Deus diviniza o que nós humanizamos, Deus plenifica o que nós construímos de nós próprios à Sua imagem e semelhança, ou seja, com o jeito do Amor…

TATO
Jesus atravessou de barca para o outro lado do mar. Uma numerosa multidão reuniu-se junto dele, e Jesus ficou na praia. Depois, Jesus pôs-se a caminho. E numerosa multidão o seguia e o apertava de todos os lados, a ponto de quase sufocar. Eis que chegou uma mulher que sofria de hemorragias havia doze anos; tinha padecido nas mãos de muitos médicos, gastou tudo o que tinha e, em vez de melhorar, piorava cada vez mais. A mulher tinha ouvido falar de Jesus. Então veio por entre a multidão, aproximou-se de Jesus por detrás e tocou-lhe na capa, porque pensava: Mesmo que toque só na sua capa, ficarei curada.
A hemorragia parou imediatamente. E a mulher sentiu no corpo que estava curada da doença. Jesus percebeu imediatamente que uma força tinha saído dele. Então virou-se no meio da multidão e perguntou:
Quem foi que me tocou? Os discípulos disseram: Vês como a multidão te aperta e ainda perguntas: "quem me tocou?". Mas Jesus continuava a olhar em volta para ver quem o tinha tocado. A mulher, cheia de medo e a tremer, percebeu o que lhe havia acontecido. Então foi, caiu aos pés de Jesus e contou toda a verdade.
Jesus disse à mulher: «Minha filha, foi a tua fé que te curou. Vai em paz e fica curada dessa doença». (Mc 5, 21-34)
Quando, na vida, dizemos que “alguém nos toca muito” pelo seu modo de ser ou falar, não estamos certamente a falar do “toque do tato”, mas sim do “toque do coração”. Nos evangelhos de Jesus, tocar é um verbo muito importante, e que ganha um valor profundamente simbólico quando aparece no contexto da multidão. A multidão é o contrário da intimidade. Nos evangelhos de Marcos e de Lucas, de maneira especial aparece esta simbologia. A Intimidade com Jesus, o verdadeiro  Encontro é quase sempre traduzido por duas linguagens: “Tocar” e “Entrar em casa”. Jesus tocava nos doentes para curá-los (Mc 10, 22-26), abençoava as crianças impondo-lhes as mãos (Mc 10, 13-16)… 
A multidão é nos evangelhos um símbolo da superficialidade com que muitas pessoas estavam (e continuam a estar…) na sua relação com Jesus. O contrário da multidão, como símbolo de superficialidade, é o “sentar-se à mesa”, como símbolo de intimidade (Mt 9, 9-11). De fato, os desconhecidos não passam da soleira da nossa porta. E as pessoas com quem não temos confiança, tratam os seus assuntos à entrada, de pé. Só aqueles que “nos tocam” se sentam à nossa mesa! A mesa da refeição é um lugar de intimidade. Por isso Jesus tantas vezes se sentava à mesa na casa de alguém, sobretudo pecadores públicos e impuros segundo a Lei, para lhes mostrar que estavam também eles chamados à intimidade da Mesa do Banquete de Deus, que é o Banquete Eterno da Vida! É muito importante compreender quem eram aqueles por quem Jesus se sentia tocado e aqueles que se deixavam tocar por Jesus…
Tocar com o coração é o oposto a encontrar-se à “flor da pele”. Bem o sabemos… os únicos encontros na vida que valem realmente à pena são aqueles que acontecem “por dentro”, ao nível da interioridade pessoal de cada um. “À flor da pele” a vida corre e passa não se constrói. A vida que acontece, desaparece… só a Vida que se constrói permanece! E não há outra maneira de construir a Vida senão “por dentro”. “Tocar” é a impossibilidade da “multidão”, exatamente porque na multidão não há intimidade nem individualidade. Todos são todos, ninguém é alguém! A massa desumaniza porque rouba identidade e liberdade. Na multidão ganha sempre o querer da multidão, ainda que não seja o querer de ninguém! A multidão empurra, sufoca, silencia, absorve… mata!
Era tão bom se nós percebêssemos que ninguém se encontra com Cristo “à flor da pele”, na lógica da “multidão” e das massas incógnitas…
Como tudo mudaria se mais nos déssemos conta de que os encontros verdadeiros ou acontecem “por dentro” ou nunca chegam a acontecer realmente…
Vou dizer-te uma curiosidade: a pele é o maior órgão do corpo humano! Estamos talhados para o encontro, para tocar e ser tocados. Todos os Sentidos são possibilidades de encontro e relação. Para tocar e ser tocados… Mas os Sentidos fazem apenas parte da “casca da gente”…
Quando dizemos que “há pessoas que nos tocam”, não estamos falar de tato! A linguagem dos Sentidos deve conduzir-nos à intimidade do coração para cumprirem até ao fim a sua missão. Porque são pontos de encontro. Mas os encontros de verdade acontecem bem mais fundo do que eles “pensam”… Acontecem no “País da Maravilhas que se chama Coração” e para o qual só eu e o Bom Deus conhecemos o caminho… E tu também, se quiseres…


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