Os cinco sentidos da Fé
“Se
amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós, e o seu amor está aperfeiçoado
em nós”. (1 João 4, 12)
Os nossos SENTIDOS são o que nos põe em contacto com
o mundo e com os outros. Somos talhados para o diálogo, para o encontro, a
relação, porque só em contexto de encontro interpessoal nos construímos “por
dentro”, lá onde o Homem se torna Humano. Mas, como tudo, à luz da Fé os
Sentidos podem falar-nos de um “algo mais” que eles sozinhos não revelam…
Acompanhe-me…
VISÃO
Deus disse ao profeta Samuel: “Enche um chifre com
óleo, e vai a Jessé, um ancião de Belém, porque EU escolhi um rei para o meu
povo entre os seus filhos. Tu darás por mim a unção àquele que EU te indicar.”
Samuel fez como Deus lhe disse.
Ao chegar à casa de Jessé, Samuel viu Eliab e
pensou de si para consigo: “Certamente é este o ungido do Senhor:” Mas Deus
disse a Samuel: “Não te deixes impressionar pelo seu belo aspecto, nem pela sua
alta estatura, pois EU não o escolhi! O que tu vês não importa; o homem vê as
aparências, mas EU vejo o coração…” (1 Sam 16, 1-13)
Ver com o coração é ultrapassar a casca das
aparências. É ver como Deus vê! Isto só é possível a partir da intimidade com
Deus, pelo conhecimento interior da Sua Palavra. Só assim vão desabrochando em
nós os Seus critérios. Os critérios da Palavra em nós são como que “óculos”
novos a partir dos quais podemos começar a ver a realidade, a que nos rodeia e
a que construímos. De fato, as coisas nunca são apenas o que são… é também o
modo como as vemos!
E é o modo como as vemos, os “óculos” com que as
olhamos e a “luz” com que as iluminamos que nos fazem agir ou reagir de uma
determinada maneira e não de outra. Se aprendermos todos os dias a iluminar a
realidade com a “luz” da Palavra de Deus e a olhá-la com os “óculos” do
Espírito Santo, acontecerá em nós, quotidianamente, o milagre da transformação…
AUDIÇÃO
Eis o que diz o Senhor: Atenção! Todos vós que
tendes sede, vinde beber desta água! Mesmo os que não tendes dinheiro, vinde,
comprai trigo para comer sem pagar nada. Levai vinho e leite, que é tudo de
Graça! Porque gastais o vosso dinheiro naquilo que não vos alimenta? Porque
gastais o vosso salário naquilo que não pode saciar-vos?! Se me escutardes,
haveis de comer do melhor e saborear pratos deliciosos. Prestai-me atenção e
vinde a mim. Escutai-me e vivereis!
Assim como a chuva e a neve descem do céu e
não voltam mais para lá senão depois de terem empapado a terra, de a terem
fecundado e feito germinar para que dê semente ao semeador e pão para comer,
assim acontece com a Palavra que sai da minha boca: ela não volta para mim
vazia, sem ter realizado a minha vontade e sem ter cumprido a sua missão! (Is
55, 1-3. 10-11)
Escutar a Palavra de Deus não é uma tarefa dos
ouvidos, mas sim do coração. Os ouvidos podem, muitas vezes, ouvir algumas
mediações da Palavra, mas essa, só o coração a pode escutar, compreender e
fazer germinar em frutos de Vida Nova.
A Palavra de Deus é Deus-Palavra, Deus a dizer-Se, a
comunicar-Se, a fazer-Se encontro conosco e em nós. Deus não tem
palavras para dizer, Deus não diz coisas, blá-blá-blá… Deus é Palavra, Deus
diz-se! E o jeito de Deus Se dizer não é um som, uma voz, uma escrita, uma
codificação lingüística, mas sim uma Relação. Só nos dizemos verdadeiramente a
alguém, só nos comunicamos realmente a alguém através de relações, não através
de palavras. Somos o que Somos não o que dizemos! A Palavra de Deus é isto
mesmo. Deus a encontrar-Se conosco numa discreta, profunda e transformante
relação de Amor. Escutar a Palavra de Deus não é ouvir as coisas que Deus diz,
mas “dar espaço” interior à Sua ação para que Ele Se diga a nos, em nós. E é esta atitude de
disponibilidade que, como em lume brando, nos vai apurando a vida e
transformando o coração para sermos cada vez mais ao Seu jeito…
PALADAR
Enquanto comiam, Jesus e os seus discípulos, Jesus
tomou o pão e, depois de dar graças, partiu-o e deu-o aos discípulos dizendo:
“Tomai, comei! Isto é o meu corpo…” Depois, tomou um cálice, deu graças e
entregou-lho, dizendo: “Bebei dele todos!” (Mt 26, 26-29)
Comer e beber são muito mais que encher a barriga.
Os animais comem comida, mas nós comemos refeições. Porque os humanos tornaram
a hora da comida em refeição, um encontro entre pessoas. À mesa,
estamos todos, face- a -face. É um lugar privilegiado de encontro e
comunhão, partilha de intimidades e narração de histórias. Por isso comemos à
mesa, e não numa manjedoura! Para nos encontrarmos, cara a cara uns com os
outros, e não cara a cara com a comida como acontece nas manjedouras!
Comer é um símbolo bíblico muito importante para
falar de encontro, comunhão, convívialidade, acolhimento e intimidade. Sentar
alguém à nossa mesa é abrir-lhe as portas da nossa intimidade, dar-lhe lugar na
nossa vida. Além disso, comer é mais que engolir. Implica tomar o gosto às
coisas, sentir-lhes o paladar. Por isso é necessário “comer e beber Corpo e
Sangue de Cristo”. “Corpo e Sangue” é linguagem bíblica para dizer “Vida”! É
necessário comer e beber a Vida de Cristo, alimentar-se da sua Vida Ressuscitada
e fonte de Ressurreição para todos. Isto não acontece ao nível da boca nem do
estômago…
Comer e Beber a Vida de Cristo Ressuscitado é
comungar com Ele pela escuta da sua Palavra e pelo acolhimento do seu Espírito,
interpelante através de tantas mediações. Além disso, é tomar-lhe o gosto…
Alimentar-se da Vida de Cristo é “tomar-lhe o gosto”
e ficar “com o gosto de Cristo na vida” para que o dia a dia possa ser
Saboreado com este paladar. Sim! Saborear a realidade com o paladar de Jesus
Cristo, este é o segredo da verdadeira Sabedoria! Aquela Sabedoria dos Felizes,
dos Fiéis, dos Profetas que deixam em brasa o chão por onde passam…
OLFATO
Quando Deus fez a Terra e o Céu, ainda não havia na
terra nenhuma planta do campo, pois no campo ainda não havia brotado nenhuma
erva: Deus não tinha feito chover sobre a terra e não havia homem que
cultivasse o solo e fizesse subir da terra a água para regar a superfície do
solo. Então Deus modelou o homem com a argila do solo, soprou-lhe nas narinas um
sopro de vida, e o homem tornou-se um ser vivente. (Gen 2, 4-7)
O olfato é um dos Sentidos mais extraordinários,
porque é através dele que estamos permanentemente a interagir de maneira única
com o ambiente que nos rodeia. Estamos permanentemente a inspirar e expirar,
isto é, a introduzir em nós o ambiente que nos rodeia, e a expirá-lo, ou seja,
a marcarmos o ambiente com o que brota de dentro de nós. Por causa de estarmos
sempre a inspirar e expirar nesta interação permanente com o ambiente em que
vivemos, os nossos antepassados na Fé perceberam o ar como símbolo do Espírito
Santo, e a inspiração-expiração como símbolo da nossa relação com Deus. Por
isso falamos em “inspiração divina”, ou “estar inspirado”…
A inspiração é uma linguagem de acolhimento, encontro
interior, assimilação do outro em nós para nos modelarmos intimamente ao seu
jeito. Por isso o “sopro primordial de Deus”, que no original em hebraico
também significa “Beijo”, na simbologia bíblica é a primeira “expiração” de
Deus para nós, e a nossa primeira “inspiração”, como bebês acabados de nascer e
chamados á Vida! Não à existência somente, mas à Vida, aquela que não acontece,
mas a que se constroem, com opções, atitudes e recomeço no Sentido do Amor.
Deus é permanente “expiração” para nos pelo Espírito Santo, que é apenas outra
maneira bíblica de dizer que Deus é Graça, Dom, para nós… Na “plenitude da
história” Deus beijou-nos com o beijo definitivo em Jesus Cristo. Nele,
Deus beija a Humanidade com lábios e definitivo, e neste beijo apaixonado
transmite-lhe de maneira nova o Seu “Hálito de Vida”, o Espírito Santo. Um
beijo divino que nos diviniza, na medida em que Deus diviniza o que nós humanizamos, Deus
plenifica o que nós construímos de nós próprios à Sua imagem e semelhança, ou
seja, com o jeito do Amor…
TATO
Jesus atravessou de barca para o outro lado do mar.
Uma numerosa multidão reuniu-se junto dele, e Jesus ficou na praia. Depois,
Jesus pôs-se a caminho. E numerosa multidão o seguia e o apertava de todos os
lados, a ponto de quase sufocar. Eis que chegou uma mulher que sofria de
hemorragias havia doze anos; tinha padecido nas mãos de muitos médicos, gastou
tudo o que tinha e, em vez de melhorar, piorava cada vez mais. A mulher tinha
ouvido falar de Jesus. Então veio por entre a multidão, aproximou-se de Jesus
por detrás e tocou-lhe na capa, porque pensava: Mesmo que toque só na sua capa,
ficarei curada.
A hemorragia parou imediatamente. E a mulher sentiu
no corpo que estava curada da doença. Jesus percebeu imediatamente que uma
força tinha saído dele. Então virou-se no meio da multidão e perguntou:
Quem foi que me tocou? Os discípulos disseram: Vês
como a multidão te aperta e ainda perguntas: "quem me tocou?". Mas
Jesus continuava a olhar em volta para ver quem o tinha tocado. A mulher, cheia
de medo e a tremer, percebeu o que lhe havia acontecido. Então foi, caiu aos
pés de Jesus e contou toda a verdade.
Jesus disse à mulher: «Minha filha, foi a tua fé que
te curou. Vai em paz e fica curada dessa doença». (Mc 5, 21-34)
Quando, na vida, dizemos que “alguém nos toca muito”
pelo seu modo de ser ou falar, não estamos certamente a falar do “toque do
tato”, mas sim do “toque do coração”. Nos evangelhos de Jesus, tocar é um verbo
muito importante, e que ganha um valor profundamente simbólico quando aparece
no contexto da multidão. A multidão é o contrário da intimidade. Nos evangelhos
de Marcos e de Lucas, de maneira especial aparece esta simbologia. A Intimidade
com Jesus, o verdadeiro Encontro é quase sempre traduzido por duas linguagens:
“Tocar” e “Entrar em casa”. Jesus tocava nos doentes para curá-los (Mc 10,
22-26), abençoava as crianças impondo-lhes as mãos (Mc 10, 13-16)…
A multidão é nos evangelhos um símbolo da
superficialidade com que muitas pessoas estavam (e continuam a estar…) na sua
relação com Jesus. O contrário da multidão, como símbolo de superficialidade, é
o “sentar-se à mesa”, como símbolo de intimidade (Mt 9, 9-11). De fato, os
desconhecidos não passam da soleira da nossa porta. E as pessoas com quem não
temos confiança, tratam os seus assuntos à entrada, de pé. Só aqueles que “nos
tocam” se sentam à nossa mesa! A mesa da refeição é um lugar de intimidade. Por
isso Jesus tantas vezes se sentava à mesa na casa de alguém, sobretudo
pecadores públicos e impuros segundo a Lei, para lhes mostrar que estavam
também eles chamados à intimidade da Mesa do Banquete de Deus, que é o Banquete
Eterno da Vida! É muito importante compreender quem eram aqueles por quem Jesus
se sentia tocado e aqueles que se deixavam tocar por Jesus…
Tocar com o coração é o oposto a encontrar-se à
“flor da pele”. Bem o sabemos… os únicos encontros na vida que valem realmente
à pena são aqueles que acontecem “por dentro”, ao nível da interioridade
pessoal de cada um. “À flor da pele” a vida corre e passa não se constrói. A
vida que acontece, desaparece… só a Vida que se constrói permanece! E não há
outra maneira de construir a Vida senão “por dentro”. “Tocar” é a
impossibilidade da “multidão”, exatamente porque na multidão não há intimidade
nem individualidade. Todos são todos, ninguém é alguém! A massa desumaniza
porque rouba identidade e liberdade. Na multidão ganha sempre o querer da
multidão, ainda que não seja o querer de ninguém! A multidão empurra, sufoca,
silencia, absorve… mata!
Era tão bom se nós percebêssemos que ninguém se
encontra com Cristo “à flor da pele”, na lógica da “multidão” e das massas
incógnitas…
Como tudo mudaria se mais nos déssemos conta de que
os encontros verdadeiros ou acontecem “por dentro” ou nunca chegam a acontecer
realmente…
Vou dizer-te uma curiosidade: a pele é o maior órgão
do corpo humano! Estamos talhados para o encontro, para tocar e ser tocados.
Todos os Sentidos são possibilidades de encontro e relação. Para tocar e ser
tocados… Mas os Sentidos fazem apenas parte da “casca da gente”…
Quando dizemos que “há pessoas que nos tocam”, não
estamos falar de tato! A linguagem dos Sentidos deve conduzir-nos à intimidade
do coração para cumprirem até ao fim a sua missão. Porque são pontos de
encontro. Mas os encontros de verdade acontecem bem mais fundo do que eles
“pensam”… Acontecem no “País da Maravilhas que se chama Coração” e para o qual
só eu e o Bom Deus conhecemos o caminho… E tu também, se quiseres…
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