terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Ano da misericórdia

FORMAÇÃO PARA CATEQUISTAS: DEUS RICO EM MISERICÓRDIA


O ROSTO DA MISERICÓRDIA DE DEUS RICO EM MISERICÓRDIA
Introdução
Apresento alguns recortes da bula Misericordiae Vultus (MV) do Papa Francisco e da Encíclica Dives in Misericórdia (DM) do Papa São João Paulo II. O intuito é ajudar a reflexão nesse Ano da Misericórdia e que abramos as nossas portas destravando o coração para acolher, amar, ajudar, ser solidários, pedir perdão, perdoar e agradecer.  Enfim, acolhendo a exortação de Paulo: “Que tenhamos em nós os mesmos sentimentos de Cristo Jesus” (Fl 2,5).
1- Deus revelou sua misericórdia:
“Deus que é rico em misericórdia, movido pela imensa caridade com que nos amou, restituiu-nos a vida juntamente com Cristo, quando estávamos mortos pelos nossos pecados” (Ef. 2,4-5). A Dives in misericórdia (DM) inicia com esse texto de Efésios para reafirmar que “Deus é aquele que Jesus Cristo nos revelou como Pai”. Na experiência da relação de amor Pai e Filho a encíclica faz longa tratação sobre a Parábola do Filho Pródigo na qual se expressa a essência da misericórdia (embora no texto original não se usa a palavra “misericórdia”, mas, “compaixão” (gr. Splanchnizomai) (DM 33ss).
Mediante a revelação de Cristo, conhecemos Deus, antes de mais nada na sua relação de amor com o homem, na sua filantropia (benignidade) ” (DM 6). A própria criação é orientada para Cristo, revela Deus, seu amor, sua perfeição, que se torna visível na sua obra (Cf. Rm 1,19-20). Aqui é bom estarmos antenados com “a nossa casa comum” como diz o Papa Francisco, referindo-se à criação toda, obra do amor de Deus (Laudato Si).
Cristo revela a misericórdia divina, e atribui a tradição do Antigo Testamento sobre a misericórdia, um significado definitivo: “Não somente fala dela e a explica com uso de comparações e parábolas, mas Ele próprio a encarna e personifica. Ele próprio é, em certo sentido a misericórdia” (DM 7). A MV, citando São Tomás diz: “É próprio de Deus usar de misericórdia, e nisso se manifesta de modo especial a sua onipotência. A misericórdia aqui é a qualidade da onipotência de Deus (Suma Teológica, II-II, q.30). É por isso que a liturgia numa de suas coletas antigas diz: “Senhor, que dais a maior prova do vosso poder quando perdoais e Vos compadeceis...” (XXVI domingo do tempo comum. Oração remonta ao séc.VII). Portanto Deus rico em misericórdia é uma verdade, um fato, que Cristo tornou presente, o Pai no seu amor e misericórdia. E Deus é amor, quem permanece no amor permanece em Deus (1Jo 4, 8-16), (DM 17).
Devemos observar, no entanto, lembra João Paulo II, “que Cristo ao revelar o amor-misericórdia de Deus, exigia ao mesmo tempo dos homens que se deixassem guiar na própria vida pelo amor e pela misericórdia. A amor é a medula do ethos evangélico. Jesus exprime isso por meio do mandamento do amor definido por ele como “o maior” (Mt 22,38 Mc 12). Esse mandamento foi definido também em forma de bênção “Bem-aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia” (Mt 5,7). Desta forma a revelação da misericórdia revela uma dimensão divino-humana. Cristo enquanto é o cumprimento das profecias messiânicas, ao tornar-se encarnação o amor que se manifesta com particular intensidade em relação aos que sofrem, doentes, excluídos, e aos pecadores, torna presente o Pai “rico em misericórdia” (cf.DM 19-20). Nas relações sociais as pessoas beneficiadas pela gratuidade, vêm a misericórdia divina. Quando com frequência agradecem e alguns acrescentam “você foi a mão de Deus que me socorreu nesse momento”; “Graças a Deus que você apareceu”!
2 - Fatos da história da salvação que revelam a misericórdia:
Tanto o mal físico como o mal moral, ou pecado fazem com que os filhos e filhas de Israel voltem para o Senhor apelando para a sua misericórdia:  Em Jz 3,7-11, quando o povo fazia o mal aos olhos do Senhor e caía na idolatria, vinha o castigo, o povo clamava e Deus imediatamente enviava um salvador e tudo voltava a paz. (2Sm 11; 12; 24,10) Davi consciente da gravidade da culpa apela para a misericórdia. O povo clamando em meio aos sofrimentos, foi ouvido pelo Senhor. Deus ouviu o clamor, viu o sofrimento e descer para libertar (Ex 3,7-9). Quando o povo rompeu a Aliança com o bezerro de ouro, Deus se revela como compassivo, lento para a cólera e cheio de bondade (Ex 34,6).  No Novo Testamento a redenção é a revelação da santidade de Deus, que é a plenitude da justiça e do amor pois a justiça divina funda-se no amor do Pai e do Filho (cf. DM n.47)
3 - Termos para definir a misericórdia no AT:
Os termos principais para definir a misericórdia no AT é hesed (graça, bondade, fidelidade, amor). Esta bondade e misericórdia da parte de Deus é acompanhada de fidelidade.  A fidelidade para com a “filha do meu povo “ infiel (cf. Lm 4, 3-6) é da parte de Deus fidelidade a si mesmo. Isso explica porque graça e fidelidade são termos que andam juntos (Ex 34,6; 2Sm 2,6; 15,20; Sl 85,11). Outro termo que define misericórdia é rahamim, que é amor de entranhas, denota o amor de mãe. Da unidade que liga a mãe e o filho brota uma particular relação com ele, um amor totalmente gratuito (Os 2; Os 11). O amor de Deus é como amor de mãe, amor de ternura. Por isso se traduz rahamim geralmente como compaixão. O profeta Isaías (Is 40-55) apresenta esta característica do amor de Deus e sua misericórdia.   
4 - Os Salmos celebram a misericórdia de Deus:
Paciente e misericordioso é o binômio que aparece com frequência no AT. A misericórdia aparece em muitas ações da história da Salvação, onde a bondade prevalece sobre o castigo e destruição. Especialmente nos Salmos: “É ele quem perdoa as tuas culpas e cura todas as tuas enfermidades. É ele quem resgata tua vida do túmulo e te enche de graça e ternura” (Sl 103,3-4); “O Senhor liberta os prisioneiros. Dá vista aos cegos, levanta os abatidos, ama os justos ... (Sl 146,7-9). O Salmo 136 celebra “Eterna é sua misericórdia” ao mesmo tempo que narra a história da revelação e salvação de Deus, começando pela criação e especialmente o êxodo, como libertação gratuita. Antes da Paixão, Jesus rezou ao Pai com este salmo da misericórdia assim como atesta Mt 26,30: “depois de cantarem os salmos” Jesus então saiu para o monte das Oliveiras. Enquanto instituía a eucaristia como memorial de sua páscoa, Jesus colocava este ato supremo da Revelação sob a luz da misericórdia. Ele viveu a sua paixão e morte, ciente do grande mistério de amor que se realizaria na cruz (Cf.MV 7)
5 - Misericórdia e Perdão:
O Papa Francisco fala da misericórdia no ato de perdoar e pedir perdão.  Lembra as três parábolas de Lc 15 (ovelha perdida, moeda perdida, do Pai com seus dois filhos) em que Deus é apresentado cheio de alegria sobretudo quando perdoa. Jesus interpelado pela pergunta de Pedro sobre quantas vezes fosse necessário perdoar: Jesus responde “Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete” (Mt 18,22). Então Jesus contou a parábola do servo sem compaixão. O homem endividado suplica de joelhos e o senhor perdoa-lhes a dívida. Mas, ele saindo encontra outro que lhe devia pequena quantia, que suplica perdão, mas aquele recusa perdoar e coloca-o na prisão. Então o Senhor tendo sabido do fato zanga-se e lhe diz: “Não devias também ter piedade do teu companheiro, como eu tive de ti? ” (Mt 18,33). E Jesus conclui “Assim procederá convosco meu Pai celeste, se cada um de vós não perdoar ao seu irmão do íntimo do coração” (Mt 18,35). Jesus nessa parábola declara que a misericórdia não é apenas o agir do Pai, mas torna-se critério para perdoar quem são os seus verdadeiros filhos (cf. MV 9). O perdão é um imperativo para nós cristãos. Deixar de lado o ressentimento, a raiva, a violência e a vingança são condições necessárias para se viver feliz. Acolhamos a exortação do Apóstolo “Que o sol não se ponha sobre o vosso ressentimento” (Ef 4,26). “Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” (Mt 5,7). O Papa exorta: “Tal como o Pai é misericordioso, assim somos chamados também nós a ser misericordiosos uns para com os outros”.

6 - A misericórdia na ação pastoral da Igreja:
Destacamos alguns aspectos essenciais do ensinamento do Papa para iluminar a ação pastoral, para que a porta da misericórdia esteja aberta, façamos desta prática, uma peregrinação. São oito tópicos, ou dicas condensadas extraídas do ensinamento do Papa e adaptados:
1 - A ação pastoral deve estar envolvida pela ternura com que se dirige aos crentes e nada pode estar desprovido de misericórdia
2 - Não pretender somente a justiça. Ela é algo necessário, porém é o primeiro passo. É necessário oferecer a misericórdia “A Igreja vive um desejo inexaurível de oferecer misericórdia” (Evangelii Gaudium, n. 24). Justiça e misericórdia são duas dimensões de uma única realidade que se desenvolve até atingir o clímax na plenitude do amor (MV 20). Deus mediante a misericórdia e o perdão passa além da justiça.
3 - Dar testemunho do perdão. Sem o testemunho do perdão, resta uma vida infecunda e estéril. Chegou novamente o tempo de assumir o anúncio jubiloso do perdão, de cuidar das fraquezas e dificuldades dos nossos irmãos.
4 - Uma ação pastoral com mais misericórdia. Na nova evangelização o tema da misericórdia precisa ser reproposto com novo entusiasmo e uma ação pastoral renovada.  Portanto, é determinante para a credibilidade do anúncio do evangelho que a Igreja viva e testemunhe ela mesma a misericórdia (MV 12). A Igreja deve professar e proclamar a misericórdia divina em toda a verdade, tal como nos é transmitido pela revelação (DM 79)
5 - Ser misericordiosos como o Pai é, pois é o lema do Ano Santo. Na misericórdia temos a prova de como Deus ama, basta ver as obras na história da salvação. Tocados pela compaixão podemos nos tornar compassivos para com todos.
6 - Fazer uma peregrinação. A peregrinação é sinal no Ano Santo, sinal de que a misericórdia é uma meta a alcançar que exige sacrifícios. Eis as etapas da peregrinação para chegar à meta: “não julgueis e não sereis julgados, não condeneis e não sereis condenados, perdoai e sereis perdoados, dai e vos será dado: uma boa medida, cheia recalcada, transbordante será lançada no vosso regaço” (Lc 6,37-38).
7 - Fazer obras de misericórdia corporais: dar de comer aos famintos, vestir os nus, acolher os peregrinos, dar assistência aos enfermos, visitar os presos, enterrar os mortos. Fazer também as obras de misericórdia espirituais: aconselhar os indecisos, ensinar os ignorantes, admoestar os pecadores, consolar os aflitos, perdoar as ofensas, suportar com paciência as pessoas molestas, rezar pelos inimigos e que nos perseguem, enfim pelos vivos e defuntos.
8- Assumir a missão em Is 61,1-2 que é um programa do ano da misericórdia também assumido e atualizado na prática de Jesus: “O espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu para levar a boa nova aos que sofrem, para curar os desesperados, para anunciar a libertação aos exilados e a liberdade aos prisioneiros, para proclamar o ano da misericórdia do Senhor” (Is 61,1-2; cf. Lc 4,14-18).
9 - Para os sacerdotes: Ser missionários da misericórdia, isto é ser sinais vivos de como o Pai acolhe a todos os que andam a procura de perdão.  Portanto cada confessor é servo fiel do perdão e deverá acolher os fiéis como o Pai na parábola do filho pródigo (MV 17-18).
10 - Fazer chegar o convite à conversão também as pessoas fautoras ou cúmplices da corrupção. Este é um pecado grave que brada aos céus, pois a prepotência e avidez, destrói os projetos dos fracos e esmaga os mais pobres. Para ajudar a erradicar esse mal (Gregório Magno dizia: “Corruptio optimi péssima”), são necessárias prudência, vigilância e coragem de denunciar.
PARA REFLETIR:
a) Fazer memória da história pessoal e dos sinais da misericórdia e fidelidade de Deus na vida.
b) Agradecer com o Salmo 136, porque eterna é sua misericórdia.
c) Refletir: Tenho sido capaz e perdoar, pedir perdão? É perdoando que se é perdoado!
d) Quais obras de misericórdia realizo? Tanto obras corporais como espirituais?
e) Ser grato e reconhecer o bem que os outros realizam, alegrar-se com a alegria e realização do próximo. São atitudes profundamente humanas e ao mesmo tempo divina no desapego de si e doação ao próximo. Eterna é sua misericórdia.

ORAÇÃO:
Senhor fazei de mim um instrumento de vossa paz.
Onde houver ódio que eu levo o amor.
Onde houver ofensa que eu leve o perdão...
Senhor Jesus manso e humilde de coração, fazei nosso coração semelhante ao vosso!
        Frei Vicente Artuso - Capuchinho.  
Fraternidade Santa Clara, Londrina – PR.
     Janeiro de 2016.

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