FORMAÇÃO PARA CATEQUISTAS: DEUS RICO EM MISERICÓRDIA
O ROSTO DA MISERICÓRDIA
DE DEUS RICO EM MISERICÓRDIA
Introdução
Apresento
alguns recortes da bula Misericordiae
Vultus (MV) do Papa Francisco e da Encíclica Dives in Misericórdia (DM) do Papa São João Paulo II. O intuito é
ajudar a reflexão nesse Ano da Misericórdia e que abramos as nossas portas
destravando o coração para acolher, amar, ajudar, ser solidários, pedir perdão,
perdoar e agradecer. Enfim, acolhendo a
exortação de Paulo: “Que tenhamos em nós
os mesmos sentimentos de Cristo Jesus” (Fl 2,5).
1- Deus revelou sua
misericórdia:
“Deus que é rico em
misericórdia, movido pela imensa caridade com que nos amou, restituiu-nos a
vida juntamente com Cristo, quando estávamos mortos pelos nossos pecados” (Ef. 2,4-5). A Dives in misericórdia (DM) inicia com
esse texto de Efésios para reafirmar que “Deus
é aquele que Jesus Cristo nos revelou como Pai”. Na experiência da relação
de amor Pai e Filho a encíclica faz longa tratação sobre a Parábola do Filho
Pródigo na qual se expressa a essência da misericórdia (embora no texto
original não se usa a palavra “misericórdia”, mas, “compaixão” (gr.
Splanchnizomai) (DM 33ss).
“Mediante a revelação de Cristo, conhecemos
Deus, antes de mais nada na sua relação de amor com o homem, na sua filantropia
(benignidade) ” (DM 6). A própria criação é orientada para Cristo, revela Deus,
seu amor, sua perfeição, que se torna visível na sua obra (Cf. Rm 1,19-20).
Aqui é bom estarmos antenados com “a nossa casa comum” como diz o Papa
Francisco, referindo-se à criação toda, obra do amor de Deus (Laudato Si).
Cristo
revela a misericórdia divina, e atribui a tradição do Antigo Testamento sobre a
misericórdia, um significado definitivo: “Não
somente fala dela e a explica com uso de comparações e parábolas, mas Ele
próprio a encarna e personifica. Ele próprio é, em certo sentido a misericórdia”
(DM 7). A MV, citando São Tomás diz: “É
próprio de Deus usar de misericórdia, e nisso se manifesta de modo especial a
sua onipotência. A misericórdia aqui é a qualidade da onipotência de Deus (Suma
Teológica, II-II, q.30). É por isso que a liturgia numa de suas coletas antigas
diz: “Senhor, que dais a maior prova do vosso poder quando perdoais e Vos
compadeceis...” (XXVI domingo do tempo comum. Oração remonta ao séc.VII).
Portanto Deus rico em misericórdia é uma verdade, um fato, que Cristo tornou
presente, o Pai no seu amor e misericórdia. E Deus é amor, quem permanece no
amor permanece em Deus (1Jo 4, 8-16), (DM 17).
Devemos
observar, no entanto, lembra João Paulo II, “que Cristo ao revelar o
amor-misericórdia de Deus, exigia ao mesmo tempo dos homens que se deixassem
guiar na própria vida pelo amor e pela misericórdia. A amor é a medula do ethos evangélico. Jesus exprime isso por
meio do mandamento do amor definido por ele como “o maior” (Mt 22,38 Mc 12).
Esse mandamento foi definido também em forma de bênção “Bem-aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia”
(Mt 5,7). Desta forma a revelação da misericórdia revela uma dimensão
divino-humana. Cristo enquanto é o cumprimento das profecias messiânicas, ao
tornar-se encarnação o amor que se manifesta com particular intensidade em
relação aos que sofrem, doentes, excluídos, e aos pecadores, torna presente o
Pai “rico em misericórdia” (cf.DM 19-20). Nas relações sociais as pessoas
beneficiadas pela gratuidade, vêm a misericórdia divina. Quando com frequência
agradecem e alguns acrescentam “você foi
a mão de Deus que me socorreu nesse momento”; “Graças a Deus que você apareceu”!
2 - Fatos da história
da salvação que revelam a misericórdia:
Tanto
o mal físico como o mal moral, ou pecado fazem com que os filhos e filhas de
Israel voltem para o Senhor apelando para a sua misericórdia: Em Jz 3,7-11, quando o povo fazia o mal aos
olhos do Senhor e caía na idolatria, vinha o castigo, o povo clamava e Deus
imediatamente enviava um salvador e tudo voltava a paz. (2Sm 11; 12; 24,10)
Davi consciente da gravidade da culpa apela para a misericórdia. O povo
clamando em meio aos sofrimentos, foi ouvido pelo Senhor. Deus ouviu o clamor,
viu o sofrimento e descer para libertar (Ex 3,7-9). Quando o povo rompeu a
Aliança com o bezerro de ouro, Deus se revela como compassivo, lento para a
cólera e cheio de bondade (Ex 34,6). No
Novo Testamento a redenção é a revelação da santidade de Deus, que é a
plenitude da justiça e do amor pois a justiça divina funda-se no amor do Pai e
do Filho (cf. DM n.47)
3 - Termos para definir
a misericórdia no AT:
Os
termos principais para definir a misericórdia no AT é hesed (graça, bondade, fidelidade, amor). Esta bondade e
misericórdia da parte de Deus é acompanhada de fidelidade. A fidelidade para com a “filha do meu povo “
infiel (cf. Lm 4, 3-6) é da parte de Deus fidelidade a si mesmo. Isso explica
porque graça e fidelidade são termos que andam juntos (Ex 34,6; 2Sm 2,6; 15,20;
Sl 85,11). Outro termo que define misericórdia é rahamim, que é amor de entranhas, denota o amor de mãe. Da unidade
que liga a mãe e o filho brota uma particular relação com ele, um amor
totalmente gratuito (Os 2; Os 11). O amor de Deus é como amor de mãe, amor de
ternura. Por isso se traduz rahamim
geralmente como compaixão. O profeta Isaías (Is 40-55) apresenta esta
característica do amor de Deus e sua misericórdia.
4 - Os Salmos celebram
a misericórdia de Deus:
Paciente
e misericordioso é o binômio que aparece com frequência no AT. A misericórdia
aparece em muitas ações da história da Salvação, onde a bondade prevalece sobre
o castigo e destruição. Especialmente nos Salmos: “É ele quem perdoa as tuas culpas e cura todas as tuas enfermidades. É
ele quem resgata tua vida do túmulo e te enche de graça e ternura” (Sl
103,3-4); “O Senhor liberta os
prisioneiros. Dá vista aos cegos, levanta os abatidos, ama os justos ... (Sl
146,7-9). O Salmo 136 celebra “Eterna é
sua misericórdia” ao mesmo tempo que narra a história da revelação e
salvação de Deus, começando pela criação e especialmente o êxodo, como
libertação gratuita. Antes da Paixão, Jesus rezou ao Pai com este salmo da
misericórdia assim como atesta Mt 26,30: “depois de cantarem os salmos” Jesus
então saiu para o monte das Oliveiras. Enquanto instituía a eucaristia como
memorial de sua páscoa, Jesus colocava este ato supremo da Revelação sob a luz
da misericórdia. Ele viveu a sua paixão e morte, ciente do grande mistério de
amor que se realizaria na cruz (Cf.MV 7)
5 - Misericórdia e
Perdão:
O
Papa Francisco fala da misericórdia no ato de perdoar e pedir perdão. Lembra as três parábolas de Lc 15 (ovelha
perdida, moeda perdida, do Pai com seus dois filhos) em que Deus é apresentado
cheio de alegria sobretudo quando perdoa. Jesus interpelado pela pergunta de
Pedro sobre quantas vezes fosse necessário perdoar: Jesus responde “Não te digo até sete vezes, mas até setenta
vezes sete” (Mt 18,22). Então Jesus contou a parábola do servo sem
compaixão. O homem endividado suplica de joelhos e o senhor perdoa-lhes a
dívida. Mas, ele saindo encontra outro que lhe devia pequena quantia, que
suplica perdão, mas aquele recusa perdoar e coloca-o na prisão. Então o Senhor
tendo sabido do fato zanga-se e lhe diz: “Não
devias também ter piedade do teu companheiro, como eu tive de ti? ” (Mt
18,33). E Jesus conclui “Assim procederá
convosco meu Pai celeste, se cada um de vós não perdoar ao seu irmão do íntimo
do coração” (Mt 18,35). Jesus nessa parábola declara que a misericórdia não
é apenas o agir do Pai, mas torna-se critério para perdoar quem são os seus
verdadeiros filhos (cf. MV 9). O perdão é um imperativo para nós cristãos.
Deixar de lado o ressentimento, a raiva, a violência e a vingança são condições
necessárias para se viver feliz. Acolhamos a exortação do Apóstolo “Que o sol não se ponha sobre o vosso
ressentimento” (Ef 4,26). “Felizes os
misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” (Mt 5,7). O Papa exorta: “Tal como o Pai é misericordioso, assim somos
chamados também nós a ser misericordiosos uns para com os outros”.
6 - A misericórdia na
ação pastoral da Igreja:
Destacamos
alguns aspectos essenciais do ensinamento do Papa para iluminar a ação
pastoral, para que a porta da misericórdia esteja aberta, façamos desta
prática, uma peregrinação. São oito tópicos, ou dicas condensadas extraídas do
ensinamento do Papa e adaptados:
1
- A ação pastoral deve estar envolvida
pela ternura com que se dirige aos crentes e nada pode estar desprovido de
misericórdia
2
- Não pretender somente a justiça.
Ela é algo necessário, porém é o primeiro passo. É necessário oferecer a
misericórdia “A Igreja vive um desejo inexaurível de oferecer misericórdia” (Evangelii Gaudium, n. 24). Justiça e
misericórdia são duas dimensões de uma única realidade que se desenvolve até
atingir o clímax na plenitude do amor (MV 20). Deus mediante a misericórdia e o
perdão passa além da justiça.
3
- Dar testemunho do perdão. Sem o
testemunho do perdão, resta uma vida infecunda e estéril. Chegou novamente o
tempo de assumir o anúncio jubiloso do perdão, de cuidar das fraquezas e
dificuldades dos nossos irmãos.
4
- Uma ação pastoral com mais
misericórdia. Na nova evangelização o tema da misericórdia precisa ser
reproposto com novo entusiasmo e uma ação pastoral renovada. Portanto, é determinante para a credibilidade
do anúncio do evangelho que a Igreja viva e testemunhe ela mesma a misericórdia
(MV 12). A Igreja deve professar e proclamar a misericórdia divina em toda a
verdade, tal como nos é transmitido pela revelação (DM 79)
5
- Ser misericordiosos como o Pai é, pois
é o lema do Ano Santo. Na misericórdia temos a prova de como Deus ama,
basta ver as obras na história da salvação. Tocados pela compaixão podemos nos
tornar compassivos para com todos.
6
- Fazer uma peregrinação. A
peregrinação é sinal no Ano Santo, sinal de que a misericórdia é uma meta a
alcançar que exige sacrifícios. Eis as etapas da peregrinação para chegar à
meta: “não julgueis e não sereis
julgados, não condeneis e não sereis condenados, perdoai e sereis perdoados,
dai e vos será dado: uma boa medida, cheia recalcada, transbordante será
lançada no vosso regaço” (Lc 6,37-38).
7
- Fazer obras de misericórdia corporais:
dar de comer aos famintos, vestir os nus, acolher os peregrinos, dar
assistência aos enfermos, visitar os presos, enterrar os mortos. Fazer também as obras de misericórdia
espirituais: aconselhar os indecisos, ensinar os ignorantes, admoestar os
pecadores, consolar os aflitos, perdoar as ofensas, suportar com paciência as
pessoas molestas, rezar pelos inimigos e que nos perseguem, enfim pelos vivos e
defuntos.
8-
Assumir a missão em Is 61,1-2 que é um
programa do ano da misericórdia também assumido e atualizado na prática de
Jesus: “O espírito do Senhor está sobre
mim, porque o Senhor me ungiu para levar a boa nova aos que sofrem, para curar
os desesperados, para anunciar a libertação aos exilados e a liberdade aos
prisioneiros, para proclamar o ano da misericórdia do Senhor” (Is 61,1-2;
cf. Lc 4,14-18).
9
- Para os sacerdotes: Ser missionários
da misericórdia, isto é ser sinais vivos de como o Pai acolhe a todos os
que andam a procura de perdão. Portanto
cada confessor é servo fiel do perdão e deverá acolher os fiéis como o Pai na
parábola do filho pródigo (MV 17-18).
10
- Fazer chegar o convite à conversão
também as pessoas fautoras ou cúmplices da corrupção. Este é um pecado grave
que brada aos céus, pois a prepotência e avidez, destrói os projetos dos fracos
e esmaga os mais pobres. Para ajudar a erradicar esse mal (Gregório Magno
dizia: “Corruptio optimi péssima”),
são necessárias prudência, vigilância e coragem de denunciar.
PARA REFLETIR:
a)
Fazer memória da história pessoal e dos sinais da misericórdia e fidelidade de
Deus na vida.
b)
Agradecer com o Salmo 136, porque eterna é sua misericórdia.
c)
Refletir: Tenho sido capaz e perdoar, pedir perdão? É perdoando que se é
perdoado!
d)
Quais obras de misericórdia realizo? Tanto obras corporais como espirituais?
e)
Ser grato e reconhecer o bem que os outros realizam, alegrar-se com a alegria e
realização do próximo. São atitudes profundamente humanas e ao mesmo tempo
divina no desapego de si e doação ao próximo. Eterna é sua misericórdia.
ORAÇÃO:
Senhor fazei de mim um
instrumento de vossa paz.
Onde houver ódio que eu
levo o amor.
Onde houver ofensa que
eu leve o perdão...
Senhor Jesus manso e
humilde de coração, fazei nosso coração semelhante ao vosso!
Frei Vicente
Artuso - Capuchinho.
Fraternidade Santa Clara, Londrina – PR.
Janeiro de 2016.
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